domingo, agosto 24, 2008

Fado da modernidade



"Deus morreu. Viva Marx!"..."Marx também morreu. E eu estou gravemente enfermo!"

Essas são declarações pichadas em uma igreja na França. A primeira feita por um existencialista; a segunda, por um pós-moderno. Depois de termos visto "a morte de Deus", tese central do existencialismo, vemos agora a morte da sociedade. Se aplicarmos uma análise semântica às duas manifestações, diríamos que denunciam o silêncio da religião, e ao mesmo tempo o clamor por respostas.

A modernidade tinha assumido o projeto da morte de Deus. Com o Iluminismo, no século 16, surge o esclarecimento racional, em oposição à espiritualidade. O homem moderno supervaloriza a subjetividade, a liberdade, a autonomia e a razão do indivíduo, em detrimento das instituições.

O pós-modernismo dá o passo seguinte. Conservando a idéia de que Deus está morto, assume como projeto próprio a morte da identidade, declarada pela falta de referencial e valores que promovam o indivíduo e seu futuro. Não se vê a luta por um ideal, percebe-se um pluralismo de valores, gerado pela inexistência do grupo. Tudo o que existe é o eu, cada um com sua própria regra. No entanto, o pluralismo de valores significa em si mesmo a própria ausência de valores, substituídos pelo consumo.

As duas afirmações pichadas na igreja nos levam a pensar. De um lado, os existencialistas, com sua declaração da totalidade sem Deus, proclamando as respostas vinda do próprio homem. Do outro, a pós-modernidade, reconhecendo-se como a enfermidade resultante de uma sociedade sem Deus e da ausência total de referências.

Tal manifestação ofereceu um bom exemplo da decadência, ou mesmo da morte da sociedade, que assistia à derrocada dos valores familiares e religiosos. As duas correntes ideológicas estão deslegitimando as instituições que tinham a missão de transmitir valores morais e religiosos.

O intelectual americano Francis Schaeffer, em seu livro “Morte na Cidade”, afirma que à medida que os valores se esvaem de nossa sociedade, nossa cultura se degrada. Nossa existência se define então como despropositada, apontando o surgimento de uma sociedade sobretudo indiferente, anônima, que constituirá uma comunidade muito frágil.

A questão é se, no futuro, uma geração que não compreende o valor do corporativismo terá coesão suficiente para desempenhar uma função histórica. Ou se será tragada pelo império da cultura a que são subjugadas. Com a falta de movimentos que geram valores, pode-se pensar que precisamos fazer algo!

segunda-feira, agosto 04, 2008

Sobre Leões e Cordeiros



“Crise é o desmoronamento de um sistema e a emergência de outro; um processo de destruição de valor que cria os fundamentos para o início de um novo ciclo.” Magnoli

É possível perceber que o sistema internacional passa por um momento de tensões políticas, econômicas, cultural; se não de valores. Momento de tensões que abandona os antigos “choques de civilizações” para cunhar um confronto de ideologias.

Entre cientistas políticos o significado da queda do muro de Berlim –falência de um sistema, o socialista –é um entendimento comum. Da mesma forma que o atentado de 11 de setembro simbolicamente delineou um novo ciclo na história das relações internacionais –confronto entre secularismo e fundamentalismo.

Nesses momentos a grande mídia aponta um novo mercado de filmes e produtos culturais, discutindo ou criticando a questão em cheque. “Leões e Cordeiros” dirigido por Robert Redford abarcou uma boa proposta de reflexão. O filme é uma análise simples, mas bem garibada da atualidade.

O enredo é uma construção crítica das questões mais discutidas nos últimos dois século– poder e dominação. Em parte, esse poder não se detém em mãos de um apenas, mas está na mutualidade e engajamento dos que possuem acesso ao grande público.

O presente como holograma entre passado e futuro, constrói um ambiente –de sim ou não –que afetarão sorrateiramente a construção da realidade.
Três instituições –o Estado, a Mídia e a Universidade. Engajadas em pensar, nesta ordem, a razão pela qual morrer, resistir e viver.

Um representante de estado interessado na auto-promoção, sob a mítica de “é nosso dever”, na ponta dos fuzis quer impor seu modelo político por meio de uma tentativa voluntariosa de reformar o mundo muçulmano.

Por outro lado, a mídia, considerada o quarto poder democrático, ao invés da análise e discernimento; consente, autentifica e, com voz muda, promove idéias em prol do mercado. A busca por audiência distancia o verdadeiro da realidade, proveniente de uma representação de fatos que mais tem a ver com conveniências ao comprometimento com a objetividade jornalística.

Robert Redford desenha não o que virá a ser a mídia, mas como as decisões já tomadas moldaram a mídia que vemos hoje.

Publicada na revista Times, uma pesquisa aplicada em universidades americanas, resultados denunciaram que os mais bem sucedidos alunos eram estrangeiros vindo de países subdesenvolvidos, ou termos resgatados pelo filme, paises de terceiro mundo. O que está acontecendo com o jovem americano.

O diálogo, entre o mestre e seu melhor aluno, despeja a esperança cansada da nova geração que opta por ser ausente as suas responsabilidades na construção de uma realidade diferente. Ausente das implicações da vida adulta, que sem respostas escolhe pelo não pensar. Enquanto aos que acreditam no futuro, os imigrantes, contrariando seus próprios valores, vêem na guerra um ideal pelo qual vale a pena morrer.

Você deve ter lido ou, alguns, lembrar das eleições nos EUA em 1973, na reeleição, Nixon não ofereceu ao povo americano ruas mais seguras, mais empregos ou fez com que os americanos sentissem mais satisfeitos com o seu país. O que Nixon usou em campanha para reeleição foi o projeto arquitetônico de uma nova “estrutura de paz” destinada a durar uma geração inteira.

Em momento de ruptura não se sabe ao certo o que virá –assim como “risco significa que mais coisas podem acontecer do que vão acontecer e não que alguma coisa dará errado."– Na crise não existe a certeza de que algo dará certo ou errado, simplesmente anuncia que o novo está para surgir.

Já passamos por muitas situações de ruptura, e nessas, ora obtivemos resultados positivos noutras nem tanto. Nas questões de relações internacionais, os resultados parecem óbvios, ademais tudo tem a ver com a perspectiva e cosmovisão de cada um –envolvidos e não.

Foi o nosso óbvio contra a da antiga União soviética, contra a da Indochina, contra a do Vietnã, contra a obviedade do Irã, hoje a luta é contra a de “Um” que não quer se dobrar, não que ser render diante dos tão almejados modelos ocidentais. “Um” que deseja ter sua própria forma de política, economia e de contratos internacionais.

Mas como lidar com a rejeição, é humilhante. A poderosa nação representante do mundo ocidental perdeu gradualmente seu poder. Hoje, a luta se afasta dos interesses meramente políticos e das relações econômicas internacionais –para se tornar uma questão de honra!